quarta-feira, 21 de julho de 2010




"Afinal, ele não estava a fazer nada de extraordinário a não ser viver a sua vida calmamente, sem perturbar ninguém. Por outro lado, tive medo do modo como ele poderia ser recebido pelo nosso povo, portanto talvez fosse melhor esperar um pouco. Mas agora não podia esperar mais.
Se ele tivesse o azar de ser apanhado pelos aldeões, seria muito difícil explicar-lhes que aquele humano era um amigo e não um inimigo."

"A refeição decorrera calmamente, quase como se se tratasse de um banquete de novos amigos, ainda tacteando o caminho para saber qual o melhor motivo de conversa. Era curioso, quer Morten, quer os outros homens, haviam fugido das duas únicas coisas que tinham em comum, o seu mundo e a Ilha, o que provava que a cautela dominava a conversa e, como tal, que nenhuma das partes confiava na outra.
Mas Morten conseguiu dominar o medo e aparentar uma tranquilidade que não imaginara ter. Já a noite ia adiantada quando deram a refeição por terminada e Morten pode regressar à sua cabana. Queria aproveitar aquela noite o mais que pudesse, descansar como nunca descansara, dormir como se fosse a última noite da sua vida, fechar os olhos e ficar a ouvir a madeira a aquecer e a estalar no fogo. Não lhe parecia que a guerra ia começar no dia a seguir, mas a sua batalha para impedir aqueles homens de ocuparem a sua Ilha já começara. E o dia seguinte era só o segundo de muitos ao longo dos quais dificilmente poderia usufruir da sua cabana.
Enquanto deitava a lenha no braseiro, Morten sentiu a presença de alguém e respirou fundo, de alívio."

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Pedacinhos...


"Já conseguia ver a cabana, sozinha, completamente isolada, o que o fez ganhar forças.
O baú começava a pesar, apesar de não estar muito carregado.
O seu corpo nu começava a reagir ao frio, sendo sacudido por pequenas picadelas que davam o sinal que estava a aquecer.
Apressou o passo, satisfeito por estar perto daquela que seria a sua casa para o resto da sua vida.
Sacudiu a cabeça, projectando pequenos grãos de terra e areia que ainda estavam presos no seu cabelo. Queria atirar fora todas as memórias daquilo que a sua vida fora até ali. Nunca mais queria pensar como fora infeliz ou como, algumas vezes, nem sequer chegara a ser infeliz.
Pousou o baú à porta da cabana e respirou fundo.
Voltou a ter a sensação que estava a ser observado."

"Deixou-se ficar absorto até a sua mente se deslocar totalmente da realidade. Foi abruptamente desperto por um ruído no interior da casa que o deixou receoso. Chegou mesmo a temer entrar, mas depois de pensar alguns instantes, chegou à conclusão que era ridículo ter medo do que quer que fosse.
Entrou e procurou o motivo daquele estranho barulho, sem sucesso. Tudo estava exactamente como ele deixara.
Riu-se de si próprio e decidiu comer qualquer coisa. Afinal, ainda havia muito para fazer e precisava ganhar forças.
O resto do dia passou rapidamente.
Sem percalços, sem barulhos estranhos. Só trabalho para a sua sobrevivência."

"O povo estava reunido em volta da imensa mesa, entretido a escolher entre a carne e o peixe. Mas, tal como sucedia havia séculos, sem qualquer surpresa, optavam pela cerveja. Cerveja, cerveja e mais cerveja. Tanta cerveja que se tornava fácil escolher entre a carne e o peixe: a carne...E o peixe.
Aparentemente, era mais um banquete como qualquer outro entre tantos. Qualquer desculpa servia para fazer um banquete, portanto, havia um todos os dias. Ou melhor, todas as noites e aquela não era excepção.
Animadamente, cantavam e dançavam alto, como se nada no mundo pudesse perturbar aquela vida simples e perfeita. E também sem repararem que o seu rei, apesar de estar presente, mantinha-se afastado."

terça-feira, 6 de julho de 2010

Mais um bocadinho...

"Uma manhã, aconteceu. Abriu os olhos e lá estava ela, sorridente, agachada junto a ele. Estava vestida de azul, um azul tão claro que mais parecia água transparente, o mesmo azul que cobria as pequenas asas. Morten interrogou-se se todos os vestidos dela teriam asas. Queria perguntar-lhe mas receava que muitas questões fossem demasiadas e acabassem por a afastar, tal como temia que, se não fizesse perguntas, se permanecesse calado, ela se fosse embora.
Morten sentou-se, ainda meio ensonado, sem perceber muito bem se estava acordado ou a dormir e, mais uma vez, a sonhar com Freyja."


"Não estava zangada, dificilmente poderia ficar zangada com Morten. Percebera desde o primeiro momento que aquela tristeza era tão genuína e tão profunda que não poderia servir de camuflagem a alguém com intenções menos valorosas. E aquele ar de deliciado, aquele olhar de criança encantada, quando contemplara o mundo dela.
Conseguira arrancar-lhe o primeiro esgar daquele que seria, provavelmente, o seu primeiro sorriso."

"Em lugar de ir para a aldeia, regressou para o castelo.
Era a primeira vez desde que era rei que não passeava pela aldeia ao início da tarde. O seu povo iria estranhar mas, naquele momento, precisava ficar só e tentar perceber como iria explicar a todos que já escolhera a sua esposa e a mãe dos seus filhos.
Apressou o passo e rapidamente chegou ao castelo, onde se recolheu nos seus aposentos, perante o espanto dos trabalhadores.
A palavra que o rei chegara demasiado cedo ao castelo e que estava encerrado nos seus aposentos correu veloz pelo castelo, chegando aos ouvidos do anão.
Embora soubesse que seria insultado e maltratado, o anão percebeu que a situação era demasiado grave para se preocupar consigo próprio e correu para os aposentos do rei, entrando mesmo sem se anunciar."